Lendo uma discussão na internet sobre se Oito e Meio de Fellini (Itália, 1963) é ou não um grande filme, percebi que muita gente o detesta, acha hermético, louco. Eu amo. E amo inclusive esse hermetismo e essa loucura. Qual é a graça dos filmes em que se entende tudo na primeira vez? Acho que Fellini’s Otto e Mezzo é, sem dúvida, o melhor filme do diretor e um dos melhores a que eu já assisti.
Para seu oitavo filme e meio (uma brincadeira, pois ele havia dirigido 6 longa-metragens, 2 curta-metragens (valendo por um) e havia divido outro com um diretor italiano), Fellini resolveu contar uma história autobiográfica. Já tinha falado sobre a triste vida das prostitutas de Roma (Noites de Cabíria, 1957), um católico italiano fervoroso atormentado por um outdoor de Anita Ekberg (As tentações do Doutor Antônio, em Boccaccio 70, 1962). Já tinha mostrado também em La Dolce Vita, o jornalista Marcello (Marcello Mastroianni) buscando o prazer pelas ruas de Roma, mas sentindo-se perdido em uma vida sem significado.
Mas, para Oito e Meio, ele decidiu se retratar. Chamou novamente o charmoso Marcello Mastroainni – que apareceria em muitos outros de seus filmes e nos da geração dos neo-realistas – para o papel principal. Guido Alselmi é um diretor frustrado por seus relacionamentos com as mulheres e com o branco criativo de sua mente. Por mais que tente, ele não consegue achar a solução para o roteiro que deve criar para o próprio filme. Os produtores ficam irritados, pois estão gastando muito dinheiro com as preparações (até uma gigantesca nave espacial eles constroem) e o pressionam para que termine. Guido decide se internar em uma estação de águas para “se curar”.
A história temática do filme, porém, é só o pano de fundo para uma muito mais profunda. Em meio aos sonhos do personagem, nos deparamos com suas frustrações, seus medos, seus momentos de infância, e completas alucinações. A narrativa se constrói em torno destas visões e o espectador começa a conhecer a personalidade de Guido e entender seus atos.
A cena mais marcante do filme, para mim, é um momento em que Guido-criança e seus colegas de escola fogem do internato a procura de uma mulher que vive na praia. “Saraghina” é seu nome. Gorda, feia, descabelada, uma típica persona felliniana, ela dança e se despe para os garotos. Antes do fim do ritual, os padres encontram os meninos e Guido sofre a vergonha de ter sua mãe no colégio para ouvir o que ele tinha feito. Esse é o fio condutor de toda sua relação com as mulheres – complicações, medos, e um complexo de inferioridade.
Guido é infiel e trapaceiro (até com as suas amantes). Em outro sonho, ele imagina um harém com todas as mulheres de sua vida. A cena é divertidíssima e cruel, ao mesmo tempo. Vale lembrar, que ao filmar Oito e Meio, Fellini colou um bilhete em sua lente de enquadramento: “Lembre-se, isso é uma comédia”. Para os padrões atuais, Oito e Meio é um drama. Porém, nele, vêm de brinde todas as situações cômicas de uma boa comédia italiana: aquela zoeira inerente aos italianos, os gritos, as piadas e uma boa dose de ironia. Claro que Fellini colou a nota ali para não tornar um filme um dramalhão, pois sendo um roteiro auto-biográfico, há forte tendência para ser piegas ou clichê. Mas Fellini jamais seria assim.
A cena final é uma das mais belas e mágicas do cinema. Não vou estragar a surpresa, mas conto que a trilha sonoro do genial Nino Rota colabora muito para sua construção. Oito e meio é daqueles filmes para serem vistos, revistos, odiados, amados. Não há como permanecer neutro. E isso há 44 anos e por muitos outros próximos..
Nenhum comentário:
Postar um comentário