sexta-feira, dezembro 26, 2008

Ao novo ano


Esse é o mundo que construí. Com clichês, os pés na grama verde, os olhos no céu azul e duas canções para me lembrar que sonhar é preciso. Porque também de sonhos o meu mundo é feito; indestrutíveis, pairam sempre sobre as escolhas, os atos, as decepções e os sucessos. Argonauta dos sonhos, caminho pelo mundo que construí distribuindo sorrisos, lágrimas, passos, palavras e imagens. Nos últimos 366 dias, a alma pisciana tomou conta de mim, emprestando à vida esse ar brumoso que só o sonhar possui; aquela cara de fotografia antiga, meio desbotada. O ano que começou em meio à lágrimas de pesar transformou-se em mais um para não ser esquecido. Fevereiro é amarelo, maio é azul, julho é de um verde calmo e intenso, setembro é o mais doce e ardente dos vermelhos. Dezembro fecha o ano multicolorido e vibrante (como é a moda da estação, dizem-me as revistas). Não vale a pena rememorar (aqui) os momentos deste meu ano. Vale dizer que entre tristezas, alegrias, viagens, trabalho, estudo, cansaço, estão momentos dos mais especiais e pessoas maravilhosas. A elas (sabem quem são) sou deveras agradecida e espero que sigamos por 2009 afora com esses sorrisos de esperança no rosto.


Como fez a Iasa (e como é tradição) faço minha lista 2009

mais poesia

livros não lidos

trabalhar menos (e ganhar mais)

fotografar o inusitado e o belo

viajar para algum lugar de nome estranho (e para outro continente)

formar-me jornalista

tornar-me jornalista

deixar mais o cabelo ao vento

menos ansiedade

mais coragem

uma vida que inspire arte e expire amor



PS – novidade no mundo dos meus blogs é o Scanning, meu Tumblr. Tumbleblogging é umas das coisas mais divertidas que a internet já inventou.

sábado, novembro 15, 2008

Madrugada

(...)
Meu desejo se confunde
Com a vontade de não ser
(...)
Que a minha pele
Tem o fogo
Do juízo final
(...)
Bicho solto
Um cão sem dono
(...)
Às vezes me preservo
Noutras, suicido!

sábado, novembro 08, 2008

“Pluma que o vento vai levando pelo ar”



— Olha lá, Coração: mãos entrelaçadas e a janela molhada. Aspira: aroma de chuva, proeza da natureza. Conta-me um segredo: qual é a cor do teu pulsar. Não chora não, Coração: nem por dor, nem por amor. Ainda não chora pelos infortúnios ou pelos clichês. Olha pro espelho, Coração, olha no meu olho. Diz para mim que está bem aqui, no meu peito, a pulsar. Fala pra mim, Coração, diz que não é verdade que eu não passo de um mero respirar, de um mero estar. Convence-me que a vida não é mero azar. Que lágrimas são essas? Não me diga que são de pesar, Coração. Quero que sejam de felicidade genuína. Como és ingênuo; não há felicidade. Que sorriso lindo.

segunda-feira, outubro 20, 2008

A mim, a você


Acorrentados

Paulo Mendes Campos


Quem coleciona selos para o filho do amigo; quem acorda de madrugada e estremece no desgosto de si mesmo ao lembrar que há muitos anos feriu a quem amava; quem chora no cinema ao ver o reencontro de pai e filho; quem segura sem temor uma lagartixa e lhe faz com os dedos uma carícia; quem se detém no caminho para ver melhor a flor silvestre; quem se ri das próprias rugas; quem decide aplicar-se ao estudo de uma língua morta depois de um fracasso sentimental; quem procura na cidade os traços da cidade que passou; quem se deixa tocar pelo símbolo da porta fechada; quem costura roupa para os lázaros; quem envia bonecas às filhas dos lázaros; quem diz a uma visita pouco familiar: Meu pai só gostava desta cadeira; quem manda livros aos presidiários; quem se comove ao ver passar de cabeça branca aquele ou aquela, mestre ou mestra, que foi a fera do colégio; quem escolhe na venda verdura fresca para o canário; quem se lembra todos os dias do amigo morto; quem jamais negligencia os ritos da amizade; quem guarda, se lhe deram de presente, o isqueiro que não mais funciona; quem, não tendo o hábito de beber, liga o telefone internacional no segundo uísque a fim de conversar com amigo ou amiga; quem coleciona pedras, garrafas e galhos ressequidos; quem passa mais de dez minutos a fazer mágicas para as crianças; quem guarda as cartas do noivado com uma fita; quem sabe construir uma boa fogueira; quem entra em delicado transe diante dos velhos troncos, dos musgos e dos liquens; quem procura decifrar no desenho da madeira o hieróglifo da existência; quem não se acanha de achar o pôr-do-sol uma perfeição; quem se desata em sorriso à visão de uma cascata ; quem leva a sério os transatlânticos que passam; quem visita sozinho os lugares onde já foi feliz ou infeliz; quem de repente liberta os pássaros do viveiro; quem sente pena da pessoa amada e não sabe explicar o motivo; quem julga adivinhar o pensamento do cavalo; todos eles são presidiários da ternura e andarão por toda a parte acorrentados, atados aos pequenos amores da armadilha terrestre.


Texto extraído do livro "O Anjo Bêbado", Editora Sabiá - Rio de Janeiro, 1969, pág. 105.

sábado, outubro 11, 2008

Léxico Particular – Esses Sujeitos Femininos


Essa ansiedade (s.f.) Não tem razão de ser mas é rígida e impiedosa. Retoma velhos hábitos e data de velhos tempos infantis.

Essa concomitância (s.f.) Verbete que une todas as palavras deste léxico. Também presente em alguns momentos da vida em relação a sentimentos alheios.

Essa descompostura (s.f.) Rara palavra, mas marcante. Está em momentos de preferível esquecimento. Ou não.

Essa displicência (s.f.) Faz parte do universo do aquilo-que-poderia-ter-sido. Está muito presente no que chamamos dia-a-dia. Muito comum em relação ao tempo, à arte e ao conhecimento. Requer certo sangue frio.

Essa inconstância (s.f.) Palavra que soa familiar; se alimenta de meus dizeres, de meus escritos, de meu ser. É como um olho que fecha e abre – a transformação. As minhas mãos não sabem o que fazer.

Essa indecisão (s.f.) Presente nos mais variados momentos, do escolher o sabor do chá ao futuro incerto e aos detalhes das palavras. Perpassa ainda os fatos mais relevantes de uma vida.

Essa melancolia (s.f.) A incidência deste termo é sazonal. (Para esclarecimentos, ver: Essa inconstância)

Essa solidão (s.f.) Uma das palavras mais pesadas do mundo das palavras. ‘Solidão’ pesa mais que ‘tempo’ que ‘mundo’ e que ‘verdade’. Só não mais que ‘perdão’.

quinta-feira, outubro 09, 2008

Turista na minha província



A perspectiva da cidade muda completamente quando se é turista. Nessa condição, tudo tem seu ar mágico: as pombas, os mendigos, os velhos, os telhados, os varais, as calçadas, os ônibus, o trânsito, os táxis, as árvores, as bicicletas, os artistas de rua, as prostitutas, os cachorros e a chuva. Até o céu nublado tem seu charme quando se é forasteiro.

Claro, tudo é absolutamente novo. Nem tanto. Viajo todos os anos ao Recife, já vi e revi todas as suas belas paisagens. Mas sempre que volto, sinto que seus pequenos detalhes são infinitamente mais divertidos que os de minha cidade. Posso argumentar que Curitiba não é exatamente um lugar belo e divertido, o que se torna uma inverdade dolorida quando percebo que me faltam olhos curiosos de turistas para enxergá-la de verdade.

Certo dia, resolvi experimentar. Lembrei-me vagamente de minhas viagens: dos ambulantes do Recife aos taxistas paulistanos, da feira de Caruaru à 42nd Street em New York, da noite no cais recifense aos copos y tapas de Madrid e da serra gaúcha ao bucólico campo português. Ao respirar essas lembranças, tinha a nítida sensação de que fui observadora minuciosa desses lugares, mas que eles são apenas memória. Curitiba é real, é tangível. O mapa não está em punho, está intrincado no cérebro.

Com isso em mente, coloquei meus ‘óculos de turista’ e saí a caminhar pela ‘XV’ de câmara fotográfica em punho, como manda o figurino. Sem idéias preconcebidas, consegui achar bonito o vôo das pombas da Santos Andrade, os mendigos da Riachuelo, os bolivianos gaiteiros, as estátuas vivas e os poetas que amam a lua. Até a campanha política eu apreciei: peguei todos os santinhos. Eu vi tantas coisas bonitas, admiráveis, estupendas. Passei pelo Largo – pedi pra tirarem uma foto minha junto do bebedouro –, entrei na Catedral e fiz compras na Casa China. Depois, um pequeno ‘sightseeing’ pela Rui Barbosa, pela Tiradentes, através da Rua 24 Horas (achei até charmoso ela estar fechada). Então, entrei no tubo e peguei o biarticulado, achando tudo o máximo. Dei uma passadinha no Botânico e fui para casa.

No dia seguinte, fui revelar o filme: estava queimado. Do meu passeio turístico por Curitiba nada sobrou. Ao sair da loja, ali na confusão da Marechal Deodoro pensei: tudo tão banal, que vontade de viajar.


* Crônica produzida para Redação Jornalística III

quarta-feira, outubro 08, 2008

O Diazepam

Novo projeto de blog, O Diazepam, aliás, vamos parar com essa de projeto. O novo blog O Diazepam une as forças de sete audaciosos estudantes de jornalismo da UFPR, incluindo esta que vos fala. A idéia são postagens diárias, um autor por dia. Não há um tema definido, fala-se o que está no coração: pode ser uma crônica, um desabafo, um texto teórico, uma reclamação, uma reportagem etc etc etc. Eu me chamo sábado, Iasa Monique é domingo sem cara de domingo, Chico Marés é uma ensolarada segunda-feira (Garfield não tem vez). Mari Cioffi é uma doce terça-feira e Amanda Audi faz as quartas-feiras mais agradáveis. O caçula Fábio Pupo empresta sua voz grave às quintas-feiras e Sandoval Poletto seu texto afiado às sextas-feiras. Espera-se que continuemos por muitas semanas.

domingo, outubro 05, 2008

Léxico particular: Languidez



O céu laranja; olhos fechados; rara paz. Instantes até que o silêncio que tem nome volte a agitar, aquietar, agitar, aquietar. O silêncio do céu laranja eu nomeio languidez, achando impossível que a vida seja feita de algo além de poesia.

sábado, setembro 27, 2008

Almas que oscilam; perguntas sem resposta.



– Você jamais seguiu a força da maré.
– É o que faço agora, willingless.
– Prove-me que não me amas.
- Regardes moi dans les yeux.
- Não dizes nada com esses olhos.
- Justiça seja feita.

- Eu quero compreender.
- Além de minhas forças.
- Siga este raciocínio, por favor.
- Olhe para o espelho, por favor.

- Meus passos... titubeio.
- Olhas para trás?
- Para que se preocupar?
- Eu não sou ficção.
- És personagem de minha vida.
- Carne e osso.
- Insegura como num romance.
- Não há incertezas.
- Não chores.

- Agora eu me sinto como um retrato em prata gelatina.
- Noema: “Isso foi.”
- E estou em flou.

Cai o silêncio, “essa substância inescrutável que é a sustança da solidão.”

- Preciso de um conhaque.
- Make it two.

domingo, setembro 14, 2008

Três anedotas

*

Foi um silêncio infinito que durou exatos trinta e cinco segundos: tempo suficiente para tomar uma decisão, hesitar entre as alternativas e, finalmente, optar. Havia quem observasse este conflito dos indecisos – um olhar estático, imóvel e ansioso. Ela, baixou a vista. Então, olhando por cima dos óculos, repetiu as palavras que já ouvira de outras bocas. Certo nervosismo.

*

Conhecia as palavras que ele diria. Não podia, porém, acreditar que elas seriam ditas. O dia, o calor, caminhava – hesitação aparente. Decidiu acalmar-se, água fria, rosto quente. Dois passos e lá encontrou seu destino. – Diga logo, por favor. Chorou por exatas oito horas.

*

Ali, ela traçou o seu destino, sabia com o coração o que diria. Caminhou exatos trinta e oito minutos para encontrá-lo. Calmamente, esperou. Olhares preto-e-branco, movimento. Então, entregou-lhe um livro, com olhar frio – és louca. Nunca mais o viu.



terça-feira, setembro 09, 2008

Alfama e as palavras


As palavras, elas estão aqui ao meu lado, e elas são palavras leves e doces e tímidas. Um dia, elas aparecem.

sábado, setembro 06, 2008

Por que mudar?


Porque a mudança, de alguma maneira, me faz viva. E por que eu mudo (eu tento) a cada instante: sou como o rio. E, como disse antes, ando sem palavras. Quanto menos delas, melhor pra mim.

Mais do mesmo:

As coisas da casa, poema de Marcelo Sandman

1.
Ela agora só pode amar
Com a paixão contida
Da borboleta espetada na placa de isopor

(De vez em quando uma asa estala
e sai voando pela sala
e quer quebrar o abajur.)

2.
Trazia nas mãos pressurosas
O ramo das rosas do arrependimento

E no botão da rosa mais vistosa
A abelha venenosa
Que bulia por dentro

3.
A raiva invadiu a casa
Numa labareda violenta

Crestou tudo!

Agora os dois carregam baldes de água
Pra dentro,
Espionados pelos vizinhos,

Que olham de longe,

Por trás de gelosias engelhadas.

quinta-feira, setembro 04, 2008

Frases de efeito à sua escolha



Eu ando sem


Eu ando sem palavras.

quarta-feira, setembro 03, 2008

Crônica da meia-noite

Eu perdi meu raciocínio.

O que é muito comum nos dias de hoje.

- Um Dry Martini, por favor. Não esse, é gin com vermouth e azeitona.

Aquele sentimento de estranheza. O drink é providencial.

sábado, agosto 30, 2008

Dois modos de ver fotografia

Imagem de Ludwig Windstoßer: o experimentalismo do movimento fotoform
Uma das fotos mais famosas da iconografia mundial é Migrant Mother da fotógrafa Dorothea Lange

A menina trabalhadora da fábrica de algodão: Lewis Hine foi um dos precursores da tradição documental

Dois modos de ver fotografia

Até o final de setembro estarão abertas ao público curitibano duas exposições fotográficas: ‘fotografia subjetiva’ A Contribuição Alemã 1948 – 1963 (Casa Andrade Muricy, de 31 de julho a 28 de setembro, entrada franca) e Fotógrafo Norte-Americanos (Espaço Caixa Cultural, de 27 de julho a 26 de setembro, entrada franca). A primeira é uma extensa mostra de imagens produzidas pelo que se consagrou chamar de ‘fotografia subjetiva’ (grafada em minúsculas mesmo, na tipologia Bauhaus) cujo maior mestre foi o alemão Otto Steinert. A segunda é uma coletânea de 33 imagens da fotografia norte-americana do início do século que incluiu obras de Lewis Hine, Paul Strand e diversos fotógrafos da equipe da Farm Security Administration (FSA – Administração da Segurança de Fazendas). Esses fotógrafos foram os precursores do que se costuma chamar de ‘fotografia documental’.

É interessante notar que as duas exposições têm conteúdos que se contrapõe na sua concepção teórica e prática, mas que mostram duas vertentes interessantes da fotografia do século XX.

‘fotografia subjetiva’

A mostra exposta na Casa Andrade Muricy é uma retrospectiva extensa do movimento ‘fotografia subjetiva’. São mais de 150 imagens de expoentes do movimento que teve suas raízes na ‘nova fotografia’ alemã dos anos 20 e na Bauhaus de Walter Gropius. Essas primeiras influências estão marcadas na exposição por nomes como Adolf Lazi, Herbet List, Chargesheimer, Marta Hoepffner e Heiz Hajek-Heinz - chamados de “incentivadores e parceiros do movimento emergente”. A maioria deles foi banida da Alemanha com o regime nazista que classificou suas fotografias como “degeneradas”. São imagens marcadas por simbolismo, experimentos de fotografia de objetos, composições elaboradas e geométricas. É notória a presença da destruição do pós-I guerra e das sombras que caíram sobre a Alemanha durante o período: o preto é intensamente contrastado.

Todas essas características estão presentes com muito mais intensidade na segunda parte da mostra que mostra o movimento vanguardista fotoform que ocorreu após a II Guerra Mundial, de 1949 a 1958. Com um projeto teórico bem estabelecido, o grupo de fotógrafos pretendia enfatizar a criação individual com os recursos da fotografia. Otto Steinert – mentor do movimento que organizou as duas exposições do grupo e criou o termo ‘fotografia subjetiva’ – considerava importante criar imagens que satisfizessem um olhar artisticamente receptivo. A ‘fotografia normal’, ou melhor, a ‘fotografia objetiva’ que visa à utilidade e à representação da realidade não lhe interessava.

Nas fotos do fotoform é comum o uso de recursos como oscilações luminosas, tempos maiores que captam o movimento, a presença do fotógrafo na imagem. As fotos são obscuras e tratam sempre de temas industriais, áridos. A solidão é também recorrente: as pessoas estão quase sempre solitárias. Numa análise simplista, podemos dizer que é visível a presença de traumas pós-guerra e a necessidade de transformar a visão da fotografia publicitária nazista, que exaltava valores como a família, a moral e a superioridade.

Também é importante notar os experimentos inspirados na pintura contemporânea abstrata e surrealista. Imagens em close-up de objetos, dupla exposições. Muitas fotos de metal, máquinas. Mas nada de colagens, como se fazia no anos 20. O objetivo dos fotógrafos do fotoform – dos quais destaco, além de Steinert, Ludwig Windstoßer, Peter Keetman, Toni Scheneiders e Wolfgang Reisewitz – era utilizar todos os recursos possíveis do equipamento fotográfico sem apelar para outras técnicas artísticas.

As fotos de Steinert são objetos ‘inúteis’ no sentido comum da palavra. São como as gravuras, as pinturas. São retratos conceituais (a bailarina sentada em uma cadeira moderna é maravilhosa), fotos de árvores em movimento, fábricas sombrias etc. Professor que era, Steinert ensinou muitos discípulos ao longo de sua vida, cujo trabalho pode ser visto na quarta parte da exposição, onde há imagens de diversos fotógrafos do mundo todo por ele influenciados. A quinta parte é um prólogo que fala de tendências contemporâneas inspiradas pela ‘fotografia subjetiva’, cujos expoentes são Robert Häusser e Stefan Moses.

A tradição documental

Já na Caixa Cultura, pode-se ver um outro tipo de fotografia. São imagens dos primórdios da fotografia documental no mundo. A exposição tem curadoria de João Kulcsár, que teve acesso a negativos do Governo Americano para fazer as cópias. Em prata gelatina, trazem visível na ampliação o desgaste dos anos passados

Começa-se pelos mestres Paul Strand e Alfred Stieglitz e Lewis Hine. Os três iniciaram na América do Norte a tradição documental, que visa mostrar a realidade – com preocupações estéticas – e criar um documento historio que demonstre como era determinada sociedade, vivência ou povo. Estão presentes na mostra ícones como O terminal da Estação de Cavalos de Stieglitz e Blind Woman de Strand. Além disso, algumas das imagens mais famosas que Hine fez na luta pelo fim do trabalho infantil (da qual foi ativo militante) como os meninos carvoeiros e a menina na fábrica de algodão. Uma foto que destoa bastante da proposta da exposição é um nu captado por Stieglitz à la Man Ray.

Logo em seguida (e com falha da curadoria, não citado no texto de apresentação da exposição) estão as fotografias de um grupo de fotógrafo que no início do século trabalhou para a Farm Security Administration retratando as agruras da fome pós-1929, quando a Bolsa de New York quebrou. Parte do programa do New Deal de Frank Delano Roosevelt, a FSA criou uma nova estética de fotografia documental. Seus expoentes Dorothea Lange, Walker Evans, Arthur Rothstein, Ben Shahn, Russel Lee, Marion Wollcott e Gordon Parks mostraram à ‘América’ as agruras do campo, com seus imigrantes pobres e famintos.

Destaque para Lange e Evans. Ela com sua Migrant Mother (Mãe Imigrante), que mereceu destaque especial do curador. Uma das fotografias mais famosas de todos os tempos, mostra uma mãe e três crianças: a face cansada demonstra o sofrimento do viver. O retrato é muito emocionante e foi peça chave na conscientização do governo americano para tomar uma atitude. Além da clássica foto, há mais quatro cliques da série e um pequeno relato da fotógrafa. Já em Walker Evans podemos ver as paisagens urbanas de oficinas, carros Ford antigos e vendedores de frutas. Na obra do autor, são mais raros os personagens, mas é sempre muito forte a presença humana nas paisagens.

Pequenas observações

Sem fazer comparações, pois isso seria um contra-senso, visto que são mostras de fotografias feitas em épocas diferentes, em países diferentes e em contextos sociais diferentes, traço uma observação.

As fotografias de Os fotógrafos Norte-Americanos vêm carregadas de um contexto social muito grande. Em sua maioria, são fotografias tiradas com um objetivo claro de mostrar problemas sociais na esperança de amenizá-los. A preocupação estética é grande, mas ela é voltada para a utilidade da imagem. Quanto mais forte e bela, mais chamará atenção.

Já em ‘fotografia subjetiva’ as imagens tem o propósito único de ser arte. Aliás, as imagens não tem propósito, entrando na discussão da ‘inutilidade’ da arte. São imagens estéticas, calculadas e belas. A ‘fotografia subjetiva’ não objetiva a realidade (isso é claro em seu nome) ela foge dela, e entra no universo único do fotógrafo-artista.

A discussão entre fotógrafos documentaristas e conceituais pode ser infinita. Conferir as duas mostras, porém, pode trazer alguns esclarecimentos e a vivência em meio à prata-gelatina, e o aprendizado de que todas as correntes têm seu imenso valor estético, histórico e, por que não, mágico.


obs - essa resenha/pesquisa eu fiz para o Comunicação, jornal laboratório da UFPR, em que sou editora de cultura

quinta-feira, agosto 28, 2008

Sob o 'Céu de Lisboa'

Eu tentei resenhar O Céu de Lisboa (1994) de Wim Wenders, mas não consegui com propriedade. Um filme dedicado a Fellini, com a presença de Madredeus, poesias de Fernando Pessoa e a beleza do bairro da Alfama, é demais pra mim. O roteiro e a fotografia, eu nem comento. Cheguei a conclusão que eu moraria em O Céu de Lisboa. É isso.




Alfama (Pedro Ayres Magalhães / Rodrigo Leão)

Agora,/que lembro, /As horas ao longo do tempo;
Desejo,/ voltar,/ voltar a ti,/ desejo te encontrar;
Esquecida, / em cada dia que passa, /nunca mais revi a graça /dos teus olhos /que amei.
Má sorte, foi amor que não retive, / e se calhar distraí-me... /- Qualquer coisa que encontrei.

sexta-feira, agosto 22, 2008

100 anos de Cartier-Bresson!


"L'appareil photographique est pour moi un carnet de croquis, l'instrument de l'intuition et de la spontanéité, le maître de l'instant qui, en termes visuels, questionne et décide à la fois. Pour « signifier » le monde, il faut se sentir impliqué dans ce que l'on découpe à travers le viseur. Cette attitude exige de la concentration, de la sensibilité, un sens de la géométrie. C'est par une économie de moyens et surtout un oubli de soi-même que l'on arrive à la simplicité d'expression.
Photographier : c'est retenir son souffle quand toutes nos facultés convergent pour capter la réalité fuyante ; c'est alors que la saisie d'une image est une grande joie physique et intellectuelle.
Photographier : c'est dans un même instant et en une fraction de seconde reconnaître un fait et l'organisation rigoureuse de formes perçues visuellement qui expriment et signifient ce fait.
C'est mettre sur la même ligne de mire la tête, l'œil et le cœur. C'est une façon de vivre."

Parabéns, Cartier-Bresson. Hoje, se vivo, faria 100 anos de leiquinha em punho.

quinta-feira, agosto 21, 2008

Aqueles versos.


"Trago dentro do meu coração
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

(...)

Sentir tudo de todas as maneiras,
Viver tudo de todos os lados,
Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo,
Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos
Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo.

Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo,
Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo,
Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia,
Seja uma flor ou uma ideia abstracta,
Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus.
E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.
(...)
Meu ser elástico, mola, trepidação"

Trechos de Passagem das Horas, 22 de maio de 1916, Álvaro de Campos

sábado, agosto 16, 2008

Palavras.



Noite fria, três goles de vodka; quero escrever palavras que te toquem. Prosas gélidas como ferro; versos quentes feito brasas. Duas metáforas nuas, cruas, levemente doces, sairão da minha boca. Tua nuca arrepia, teus olhos curiosos questionam coisas sem resposta. Quatro sussurros literários, alguns impropérios censuráveis. Eu quero palavras que busquem outra dimensão, que encontrem aquele instante indeciso. Chega dessa tensão: eu quero palavras cheias de graça, eu quero dominá-las. A vodka é pouca. As palavras não chegam. Os olhos rodeiam o entorno atrás de termos certos inexistentes, meu corpo treme. Não há nada mais real que uma noite fria. Aliás, há. Na busca infrutífera por palavras, deitarei-me, em busca de respostas, do sono e de ti, que não estás aqui

quarta-feira, agosto 13, 2008

Felicidade de Jobim, com seus devidos cortes.


A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do carnaval
A gente trabalha o ano inteiro
Por um momento de sonho
Pra fazer a fantasia
De rei ou de pirata ou jardineira
Pra tudo se acabar na quarta feira

Tristeza não tem fim
Felicidade sim

A felicidade é como a pluma
Que o vento vai levando pelo ar
Voa tão leve
Mas tem a vida breve
Precisa que haja vento sem parar

* Em breve: relatos de Portugal.

sábado, julho 26, 2008


"X - Mar Portuguez

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram.
Quantos filhos em vão resaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abysmo deu,
Mas nelle é que espelhou o céu."

Fernando Pessoa


Pra mim, muito fado, muitas lágrimas. Vou buscar minhas raízes, minha verdadeira alma portuguesa e minha boa dosagem de lirismo. A musa do meu fado e minha mãe gentil.
Mas nem só no lirismo português estou enraizada: vou definitivamente me encontrar nos vermelhos de Espanha. Até mais ver, pois, pois.

quinta-feira, julho 24, 2008

Reviravolta


Quem sabe uma voz rouca e dois olhos. Uma expressão de liberdade. E um verde infinito. Seriam mesmo verdes? A cor não importa – e sim o infinito e aquela liberdade
Porque eu estou cansada da indecisão, dos sabores amargos, da seriedade. Je suis fatiguée com a possível rotina, com o futuro improvável, com sonhos que se dissolvem. E essa vida que gira e todo dia vira outra vida? Eu quero mais mudança - eu quero montanha-russa. Da lagarta à borboleta a todo instante. Eu quero essa agonia do desconhecimento, unkown lands. Seguir a descobrir, nutrindo-me paixão, realização, decepção, desejo. Eu quero andar pela vereda sem saber
do sim,
do não,
do amor.
Carpe Momentum.
E já não falo mais de vozes, nem de olhos, nem de mim mesma.

terça-feira, julho 15, 2008

Post número 100


"(...)Se você quiser eu danço com você
Meu nome é nuvem, pó, poeira, movimento
O meu nome é nuvem

Ventania, flor de vento, madrugada

Eu danço com você o que você dançar


Se você deixar o coração bater sem medo"

O meu coração bate leve e sem medo nesse instante. Caminhar pela minha estrada parece estar mais simples (a simplicidade é minha razão) e as veredas menos bifurcadas.
As portas: abertas.

sexta-feira, julho 04, 2008

Antonina!

Estou descendo para o litoral, vou cobrir o festival de Antonina para a Proec. Estranho esse momento em que você se toca: - Ih, virei fotógrafa.
Será verdade?
Acho que haverá atualizações nesse site e no Co:::unicação

quinta-feira, julho 03, 2008

My brain and my bones don't want to take this anymore!!



Mouthwash
Kate Nash

This is my face, covered in freckles, with the occasional spot and some veins. This is my body covered in skin and not all of it you can see. And, this, is my mind, it goes over and over the same old lines. And, this, is my brain, its torturous analytical thoughts make me go insane. And I use mouthwash. Sometimes I floss. I got a family. And I drink cups of tea. I've got nostalgic pavements. I've got familiar faces. I've got mixed-up memories. And I've got favorite places. And I'm singing "oh oh" on a Friday night! And I hope everything's gonna be alright! This is my face. I've got a thousand opinions and not the time to explain. And this is my body, and no matter how you try and disable it,yes, I'll still be here And, this, is my mind and although you try to infringe, you cannot confine. And, this, is my brain, and even if you try and hold me back there's nothing that you can gain

quarta-feira, julho 02, 2008

O desejo secreto da cidade


Fui à praça Tirandentes para ver a grande descoberta arqueológica da cidade de Curitiba. Não que eu esperasse um dinossauro, nem um homem de neanderthal, mas qual foi a minha surpresa ao descobrir que é apenas (e apenas) uma calçada velha - ela não difere em muito das nossas atuais ou das do largo da ordem. Mas a surpresa continua: embaixo do vidro vedado, no meio da preciosidade, um pacote de club social. Havia engenheiros próximo à obra e fui lá falar com eles. - Viu, moço, tem um pacote de bolacha ali embaixo que eu acho que não faz parte da atração. - Ah, ok, vou averiguar. Conclusão: tudo que Curitiba quer em seu subsolo é um clube social.

Fonte da Foto: Jornale

terça-feira, julho 01, 2008

Levantando a poeira da vida...


Ontem, fui à Terceira Parada da Diversidade LGBT de Curitiba e fotografei, e fotografei, tava lindo. Dá para conferir, na Galeria Co:::unicação e no meu Flickr
Se joga, bee!

quinta-feira, junho 26, 2008

Au Revoir Simone e Ricardo Reis


Hurricanes, Au Revoir Simone

In a world of make-believe
Talks a lot, but can't you see
It means more to you than me

Think before you speculate
Take the fear that you create
Don't assume we're so afraid of them

And you say na na na...

If you stop and disappear
Doesn't sound I watch you here
When dreaming takes you where you want to be
Don't follow the status quo
Picture where you'd like to go
Take your time but always know you're there

This message is for all the people
That people who are always waiting

*

Nos altos ramos de árvores frondosas
O vento faz um rumor frio e alto,
Nesta floresta, em este som me perco
E sozinho medito.

Assim no mundo, acima do que sinto,
Um vento faz a vida, e a deixa, e a toma,
E nada tem sentido - nem a alma
Com que penso sozinho.

26-04-1298, Odes de Ricardo Reis

quinta-feira, junho 19, 2008

Divagações tem mesmo que ser curtas.


Hoje, meditei o dia todo com xícaras de campim-cidreira, boldo do chile, twinings four red fruits (uma das maravilhas da vida). E, de repente assim, veio a vontade de sentir aquele turbilhão de emoções. E, assim, como quem pisca o olho, a vida ficou mais leve. Um instante assim como esse instante, salva um dia, uma semana! E agora posso juntar àquela constatação maravilhosa: merecidas férias!

terça-feira, junho 17, 2008

Trabalhinho de Música: Análise de Ai que saudade da Amélia! baseada nas Mitologias de Roland Barthes


Ai que saudade da Amélia!
Nunca vi fazer tanta exigência

Nem fazer o que você me faz

Você não sabe o que é consciência

Nem vê que eu sou um pobre rapaz

Você só pensa em luxo e riqueza

Tudo que você vê você quer

Ai, meu Deus, que saudade da Amélia

Aquilo sim é que era mulher

Às vezes passava fome ao meu lado

E achava bonito não ter o que comer

E quando me via contrariado

Dizia: Meu filho, que se há de fazer

Amélia não tinha a menor vaidade

Amélia é que era mulher de verdade

Amélia não tinha a menor vaidade

Amélia é que era mulher de verdade

Letra de Mário Lago, música de Ataulfo Alves, Gravada pela primeira vez por Ataulfo e suas
Pastoras, em 27 de novembro de 1941

“Exijo a possibilidade de viver plenamente
a contradição de minha época, que pode fazer
de um sarcasmo a condição da verdade.”
Roland Barthes

Seguindo a lógica da canção, poderíamos realizar aqui uma análise baseada nas questões de gênero. Contudo, realizarei uma análise baseada nas questões colocadas por Roland Barthes no livro Mitologias em que ele constrói um novo tipo de análise semiológica. A análise, como coloca Barthes, terá um tom artificial, ascético. Após essas duas considerações, continuemos.
Temos aqui o já construído mito de Amélia, a mulher de verdade. Desde 1941 essa música é tocada no Brasil, ora com tom irônico, ora reiterando valores machistas. Ao que parece, ela foi escrita com esse propósito. Em 1941 iniciava-se movimentos de libertação feminina que culminaram nos grandes movimentos dos anos 60.
A canção fala de um homem que já havia sido casado com uma mulher chamada Amélia, mas que por algum motivo (provavelmente falecimento, já que na época não havia divórcio, e Amélia era perfeita demais para ser deixada) vem a se casar com uma outra mulher. Dessa vez, ela faz “exigências”, não sabe o que é “consciência” (e provavelmente fala muito sobre isso), só “pensa em luxo e riqueza” e não enxerga que seu marido é um “pobre rapaz”. Amélia, contudo, passava fome ao lado dele, sem reclamar, ela achava “até bonito não ter o que comer”. Amélia era resignada, não possuía nenhuma vaidade, e por isso, para o narrador, era uma “mulher de verdade”. Como fazemos aqui uma análise semiológica, onde um signo é um sistema binário formado por significante e significado, é de se esperar que a “outra” é uma mulher falsa, mentirosa.
Amélia é um mito na sociedade brasileira. Até hoje, quando quer se falar de uma mulher forte, que cuida do lar, dos filhos, refere-se à ela como “uma Amélia”. Outra possível significação do termo “uma Amélia” (daí já mais posterior, após o movimento de libertação feminina) é “uma ingênua”, “uma boba”, uma mulher fácil de ser passada para trás.
Aqui, o sentido é a história do Marido de Amélia, que afirma que ela passava fome ao seu lado sem reclamar e que não possuía vaidades. Esse sentido apresenta a forma que é “Amélia que era mulher de verdade”. O fato de ser o ex-Marido de Amélia que conta essa história distancia-nos da “verdadeira” história dessa mulher. Teria Amélia sofrido em silêncio? Teria Amélia morrido, ido embora? O mito de Amélia é o de uma mulher que realmente não tem emoção nenhuma e isso é devido ao fato de sua história ser contada por um ex-marido (talvez arrependido?). Talvez o Marido de Amélia só a valorize agora, com a presença da segunda esposa. O único momento em que é dada voz ao mito Amélia é o verso “Dizia: Meu filho, que se há de fazer”, em que Amélia possui um tom de resignação, até maternal, provavelmente provindo de sofrimento, fome e tristeza, e não, como afirma o ex-marido, de sua mínima vaidade ou do fato de que ela achava bonito passar fome. Alguém pode afirmar que ou Amélia sofria em silêncio ou estava resignada.
Contudo, não é o caso analisarmos a possível vida do personagem Amélia, e sim a forma e sentido com que seu mito nos é apresentado e a significação que ele denota. Muitas vezes Amélia foi cantada apenas como um “samba bonito”, o que o torna uma canção literal, livre de interpretações e oculta a intenção do mito. Na pretensão de tomar o lugar do mitólogo, deve-se isolar a forma ou o sentido a fim de procurar a significação. Ela não acompanha o signo que é completamente arbitrário, a significação, para Roland Barthes, nunca é totalmente arbitrária, em parte ela é sempre motivada e contém uma parte da analogia.
O mito de Amélia, portanto, designa o mito da “mulher ideal” para um marido brasileiro e pobre. Uma mulher que não reclama, não sonha e não possui vaidade. O único propósito do mito Amélia é cuidar da casa e afagar seu marido com palavras dóceis quando ele se vê contrariado. Há na música o que Amélia não deve fazer explícito em outro mito: o da contra-Amélia. Amélia não pode exigir nada, não pode ter (e nem saber) o que é consciência e não deve pensar em luxos e riquezas. Contra-Amélia não é considerada pelo Marido um exemplo digno de mulher. Somente Amélia “é que era mulher”.
O Marido de “Ai que saudade da Amélia”, é um “pobre rapaz” mas ele não é nem proletário nem burguês. Contudo, o ideal de vida do casamento, da esposa em casa a espera do marido, é um ideal burguês. O marido, então, é o Homem Eterno, habitante do universo dos fatos burgueses. Porque, segundo Barthes, é quando penetra nas classes intermediárias que os ideais burgueses (tal qual o mito de Amélia) se tornam verdades diluídas no imaginário.

“Essa aliança vai se reforçando com o tempo e se transformando pouco a pouco em simbiose. Tomadas de consciência provisórias podem acontecer, mas a ideologia comum já não é posta em questão: uma mesma camada “natural” cobre todas as representações “nacionais”: o grande casamento burguês, fruto de um rito de classe (a apresentação e o consumo das riquezas) , não pode ter nenhuma relação com o estatuto econômico dos pequeno-burgueses , mas, por meio da imprensa, das atualidades e da Literatura, transformou-se, pouco a pouco, na norma, se não vivida, pelo menos sonhada do casal pequeno-burguês. A burguesia absorve ininterruptamente na sua ideologia toda uma humanidade que não possui um estatuto profundo e o que só pode vivê-lo no imaginário, isto é, no empobrecimento da consciência. Expandindo as suas representações graças a todo um catálogo de imagens coletivas para o uso Pequeno-burguês, a burguesia consagra a indiferenciação ilusória das classes sociais (...)” (Barthes, 1970)

Aí, então, encontro um terceiro mito na canção: a mulher pequeno-burguesa. Colocada nas devidas proporções do caso brasileiro (que difere muito do francês) A contra-Amélia quer ter um padrão de vida burguês e seu marido não pode oferecê-lo. A visão de mundo dela é exigente e, segundo o Marido – é bom lembrar que os mitos da canção são construídos segundo a visão dele - , ela deseja “luxo e riqueza”. Aí está o paradoxo da indiferenciação das classes sociais: Contra-Amélia quer ser burguesa mas não pode; Marido quer um casamento burguês mas não quer uma mulher burguesa. Ele quer a figura mítica da “mulher do proletário”, que nada quer, nada pede, nada exige.
Para concluir, Amélia é um caso de mito deslocado. Quando foi escrita, representava um ideal. Atualmente, representa outro. O mito continua tendo força, porém, outra força. O mito, antes reduzido ao ideal vigente, hoje está circunscrito a um contra-ideal: a mulher não deve ser Amélia se não quiser ser considerada ingênua. Tampouco, deve ser Contra-Amélia. O novo mito da “mulher ideal”, apresentado nas revistas como Cláudia, é o mito da mulher “independente sem deixar de ser mulher”. Mas esse não é um mito a ser discutido nesse trabalho.
Resumindo: o significante do mito “Amélia” é que ela"era uma mulher de verdade”. O significado, que Amélia (que não reclama e não tem vaidade) era o Ideal de mulher para o homem em 1941. Entrando no campo da significação; o “produtor de mitos” de Barthes vê (focaliza, para usar o termo do autor) Amélia como o símbolo da “mulher de verdade”. Para o “mitólogo” de Barthes, Amélia é o álibi
do Marido para considerá-la “mulher de verdade”. Já para o “leitor do mito”, Amélia é a própria presença da “mulher de verdade”. Para o autor, a primeira focalização é cínica, a segunda desmistificadora e a terceira é dinâmica, ela faz com que o leitor viva o mito como uma história simultaneamente verdadeira e irreal.
Barthes afirma que o que faz com que o leitor consuma o mito inocentemente é o fato de não enxergá-lo como um sistema semiológico: um signo formado por significante e significado (no caso de Barthes, substituir signo por significação). Para o leitor, é um sistema indutivo: há apenas uma equivalência, é uma relação natural. Nas palavras de Barthes: “(...) O sistema semiológico é um sistema de valores; ora, o consumidor do mito considera a significação como um sistema de fatos: o mito é lido como um sistema fatual, quando é apenas um sistema semiológico.”

Referência Bibliográfica
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro, Difel, 2007.

sábado, junho 14, 2008

I (really) can watch the sunset on my own or a bunch of idiomatic expressions


Short Story:

I fell for you and then I fell in love, and then I fell apart, and then I fell back on you, and then we fell out, and now I try to fall back, and I think I fell for myself again.
So much to do. So much to think. So much to feel.
And now, in instead of falling, I jump.

sexta-feira, junho 13, 2008

The Horror... The Horror


"And suddenly he'll grab you, and he'll throw you in a corner, and he'll say, 'do you know that 'if' is the middle word in 'life'?'"
Photojournalist sobre Kurtz em Apocalypse Now. Amo.

Ps - Olha isso aqui, que divertido! =) Eles me ligaram!

quinta-feira, junho 12, 2008

Cecil Beaton & Elliott Smith



got bitten fingernails and a head full of the past
and everybody's gone at last
a sweet sweet smile that's fading fast
'cause everybody's gone at last

and you don't get upset about it
no not anymore
there's nothing wrong
that wasn't wrong before

had a second alone with a chance let pass
and everybody's gone at last

well I hope you're not waiting
waiting around for me
because I'm not going anywhere, obviously

got a broken heart and your name on my cast
and everybody's gone at last
everybody's gone at last

segunda-feira, junho 09, 2008

Palavras desconexas

ela filosofa de faz-de-conta, ouvindo o mestre repleto de verdades. ela está tímida, mas não pensa em ninguém. pensa em atitudes que não tomaria, só o pensar é suficientemente ousado. na boca, um sorriso há tempos guardado.

E formula, logicamente:

ruim é “pisar em ovos”; é presumir o sentimento alheio; é sentir aquele doer por mais uma vez; é olhar pra trás e ver pouca coisa feita.

bom é chão concreto; é silêncio pra escutar o que se passa dentro de mim, chama-se paz de espírito; é sentir aquele redemoinho de anseios novamente; ; é olhar pra frente e ver muita coisa
por fazer.

domingo, junho 08, 2008

Poema de Marcelo Sandmann


1.
Ela agora só pode amar
Com a paixão contida
Da borboleta espetada na placa de isopor

(De vez em quando uma asa estala
e sai voando pela sala
e quer quebrar o abajur)

quinta-feira, junho 05, 2008

Minhas Mitologias

Um dia minha avó decidiu me ensinar a gritar. Não que eu fosse criança quieta, tagarela eu sempre fui. E também não deixava de ser manhosa. Só não sabia gritar. Grito daquele ancestral, daquele primal, que vem do âmago, que alivia a pressão do mundo. Ela tentou, tentou, com lições teóricas, práticas, demonstrações. Não adiantou. Até hoje eu não sei gritar de verdade. Mas às vezes me dá aquela vontade de dar um grito aos quatro cantos, de reverberar o pulmão pelo mundo, de me fazer entender, de deixar claro o que quero, o que não quero, pra que vim ao mundo. Daí eu escrevo. A palavra é meu grito.

*

E agora eu quero gritar por muitas coisas. Eu quero gritar por aquilo que acho que mereço, que preciso, que quero. Três daqueles verbos que não uso com a freqüência que deveria. Apenas por precaução. Mas qual é o sentido de todo esse cuidado? Por quê?

sábado, maio 31, 2008

Sem título

*

Isso não é um jogo de azar. Mas não há ganhadores. Nem vantagens, e muito menos regras. Há sim reincidência, ilusões e probabilidades. Vício, quem sabe. Há ainda melancolia e solidão, recrudescentes a cada jogada. E, chega de blefar! É preciso admitir. E é preciso distrair-se com banalidades. Deixar de acreditar que pensa aquilo que esperam. Você só joga quando quiser e como quiser. Há contradições por demais, jogadas arriscadas. E há outras que impedem a visualização do quadro todo, daquilo no que se acredita verdadeiramente. E às vezes o melhor é dar as cartas. ‘Noutras, é melhor desistir. Até porque você não é uma pessoa competitiva.

*

Sou míope - não enxergo longe sem meus óculos. Vejo apenas aquilo que está muito próximo. Longe de mim, tudo indefinido. Não há nitidez. Tenho consciência de que lá está, eu identifico as cores, um formato aproximado, a distância da minha imaginação, da minha certeza, da minha crença. Mas eu não defino formatos, nuances, particularidades, possibilidades, certezas. E forçar a vista me dá uma dor de cabeça sem fim. Ainda bem que, antes de ser míope, sou uma sonhadora nata, daquelas que devaneiam na luz do dia.

terça-feira, maio 27, 2008

Todas as cartas de amor são ridículas ou Alguns termos incompreensíveis


Silêncio. Sim. Não. Charada. Risco. Medo. Dor. Paixão. Permissão. Ousadia. Espontaneidade. Pensamento. Desejo. Mundo. Amor. Alegria. Risco. Riso. Probabilidade. Convenção. Vontade. Verdade. Coincidência. Relâmpago. Descuido. Brecha. Destruição. Vida. Tempo. Sinceridade. Honestidade. Querer. Concessão. Reciprocidade. Prisão. Bondade. Amizade. Boca. Beijo. Palavras. Loucura. Sabotagem. Cômico. Condescendência. Racionalidade. Tudo. Nada.

sábado, maio 24, 2008

And it's alright, Ma, I can make it e escritos d’O Poeta

“(…) Advertising signs that con you/ Into thinking you're the one/ That can do what's never been done/ That can win what's never been won/ Meantime life outside goes on/ All around you.You lose yourself, you reappear/ You suddenly find you got nothing to fear/ Alone you stand with nobody near/ When a trembling distant voice, unclear/ Startles your sleeping ears to hear/ That somebody thinks/ They really found youA question in your nerves is lit/ Yet you know there is no answer fit to satisfy/ Insure you not to quit/ To keep it in your mind and not forget/ That it is not he or she or them or it/ That you belong to. (…)”

Bob Dylan em It's All Right, Ma (I'm only Bleeding)

*

“Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...

Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesmo coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço, por quê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta –
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaso!... ”

Álvaro de Campos

quinta-feira, maio 22, 2008

“Porque foi calma a tempestade”

Para ler ouvindo A Tempestade.

*
L’Avventura não consegue entender Longe do Meu Lado

*
Sei que devo recomeçar. Entretanto, não há fim. Que fênix renasce sem cinzas? Recomeçar, não. Apenas continuar: uma vida repleta de possibilidades, de pontos de encontro e desencontro, de coincidências, de oportunidades. Porque estamos sozinhos no mundo. E a solidão não é relativa, ela é intrínseca.

*
Dizem que o que os olhos não vêem o coração não sente. Na esperança de não sentir, fecho os olhos. Realmente, é simples não sentir. Queria sentir algo, confesso. Quando abro os olhos, o mundo está lá, estático. E, então, um turbilhão de emoções e confusões me toma e me leva novamente a esse terreno incerto, incógnito. Sinto que por ele quero caminhar, mas algo me impede.
*
E na tentativa de descobrir um atalho, fecho novamente os olhos. Encontro lábios hesitantes, meu corpo vacila, oscila. O que fazer? Não há tempo para refletir, corpo inculto! Deve haver nesse momento, em algum recôndito, uma dor lancinante, dessas que cortam o coração. Mas ela está reduzida, oculta, abafada por emoções desconhecidas, ruídos mil, e vozes diferentes, etéreas. De súbito, um silêncio chamado desejo as cala.

*
Na aurora, reinicio. E me pergunto, como fez um poeta, se espero voar, como chego às nuvens com meus pés no chão?