quarta-feira, abril 23, 2008

Ficção Azul


O caminhar era um fluxo descontínuo de movimentos. Os cabelos para um lado, as mãos para o outro, quadris para um lado, mas o olho diretamente para o chão. E vice-versa. Mas o olho para o chão, sempre para o chão. Um olhar triste melancólico. Le ciel ètait bleu. E aquela moça dourada caminhava olhando para o chão. Um mosaico intricado de pretos e brancos, pequenas pedrinhas que quando chove fazem escorregar, alternando cores, desenhos. Chama petit pavé, lhe disseram um dia. Ela não ligou muito por que, naquele dia, o céu estava azul e você sabe como algumas moças sem importam por demais com a cor do céu, a forma das nuvens e o jeito das estrelas. Ela mesma fica mais triste do que hoje quando o céu está branco como papel: aquele chiaro scuro, ausência de sombras, tristesse. As cores não são verdadeiras cores, o mundo tem um tom sarcástico de falsidade. Em dias como hoje com céu azul, daquele azul que faz os prédios parecerem colagem de criança em cartolina, destacados, marcados... Em dias como hoje (e, faça-se justiça, na maioria dos dias) ela normalmente reflete os raios do sol. Mas hoje, sem nenhum motivo aparente, a moça sonhou com algum mal, acordou com o sol, mas não abriu direito os olhos. Acostumada com o sorriso fácil no rosto, hoje a moça se fechou e até chorou com a TV, como a mais boba das moças. “Coisas de moça”, dizem por aí, de “pisciana instável” dizem outros. Vai saber! Quando, à noite, colocou a cabeça no travesseiro, pensou séria, a testa franzida, “amanhã o céu estará novamente azul de brigadeiro (brigadeiros não são azuis...) e esses olhos que miram as pedras do chão voltarão a sorrir”. Dormiu.

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