
"A autoridade das fotografias de Arbus origina-se do contraste existente entre o tema dilacerante que focalizam e a atenção objetiva e serena que revelam. Tal capacidade de prestar atenção - a atenção que presta o fotógrafo é a que a pessoa que posa presta no momento de posar - cria a teatralidade moral dos retratos objetivos e contemplativos de Arbus. Em vez de espionar as pessoas estranhas e os párias, e fotografá-los sem que percebessem, Arbus achegava-se a eles, ganhava-lhes a confiança e assim lograva que posassem para ela com a mesma paciência e imobilidade com que um graúdo vitoriano se deixava retratar no estúdio de Julia Margaret Cameron. Grande parte do mistério das fotografias de Arbus reside no que elas podem sugerir-nos acerca da reação dos seus personagens, depois que esses consentiram em deixar-se fotografar. Será que se vêem assim? - pergunta-se o leitor. Será que imagino o quanto são grotescos? Aparentemente não.
O tema das fotografias de Arbus é, tomando emprestada a classificação de Hegel, a "consciência infeliz". A maioria dos personagens do Grand Guignol de Arbus entretanto parece não se dar conta da sua feiúra. Arbus capta as pessoas nos graus diversos da sua relação inconsciente e desprevenida com o sofrimento e a feiúra. Isso necessariamente limita qualquer tipo de horror que ela possa ter sido levada a fotografar: pois aquela relação exclui os sofredores que presumivelmente têm consciência de seu sofrimento, tais como as vítimas de acidentes, das guerras, da fome e das perseguiçoes políticas. Arbus jamais fotografaria um acidente ou um acontecimento que violentasse a vida; preferiu especializar-se nos fracassos pessoais , captados em câmara lenta, os quais, em sua maioria, já se vinham manifestando em seus personagens desde que nasceram"
Susan Sontag, em Sobre a Fotografia, 2a edição da Arbor, p. 35 - Queria tanto esse livro no idioma original.
Sei que a foto não tem a ver com o texto, mas eu acho ela muito muito forte.
Tenho um facínio pela obra dessa mulher de biografia tão intrigante. Assisti recentemente ao filme A Pele, inspirado na vida de Diane Arbus (se pronuncia /Díene, sabia?) e achei uma grande maluquice. A produção é legal, os atores são bons, gosto muito da Nicole Kidman quando faz papéis de mulheres misteriosas e silenciosas. E a película é bem bonita, e recria, em parte, o universo fantástico da fotógrafa. É legal ter a experiência visual do sentimento de libertação que Arbus tem quando começar seu trabalho de fotografia. Além disso, é muito interessante analisar a estranheza que ela possuia em relação ao mundo à sua volta (assim como seus retratados). Mas acho que o roteiro do filme peca quando leva para um lado deveras fantasioso e impossível. Um mundo fantástico demais, sem muito sentido e meio agoniante. Preferia que se tivesse mantindo centra fidelidade à obra de Arbus. Mas, não deixa de ser uma sessão interessante para quem, como eu, se interessa por fotografia.