Aquele fora um dia pesado. Maria levantou-se da cama na mesma hora de sempre, às seis e meia da manhã, horário a que seus olhos já se acostumaram. Adestrados, eles se abriram inesperadamente, trinta segundos antes do soar do despertador. O marido roncava a seu lado, chegara bêbado na noite anterior. Maria não era mulher de se enrolar, olhou para os lados e levantou-se, muito rapidamente. Após movimentos rotineiros da manhã, que ela fez mecanicamente, como um pequeno robô, saiu para trabalhar, deixando para o marido e para as crianças o desjejum sobre a mesa. Caminhar para o trabalho era uma rotina agradável. Maria gosta do cheiro da cidade pela amanhã; ela sente um frescor, as pessoas caminham com frio – já vai esquentar, pensam, esfregando as mãos nos braços. Naquela madrugada, uma chuva fina caíra, e Maria sentiu-se feliz, pois gosta mais ainda do cheiro da cidade depois da chuva. “Não há nada como o asfalto molhado”, pensou. A cidade satisfeita com o banho oportuno, limpa como há de ser, livre de incômodos odores, pulsando em concreto. Maria é uma mulher urbana, nasceu em meio à urbe e dela nunca saiu. Não saberia viver sem esse calor, essa emoção, essas cores e esses sons. Naquele dia Maria sentiu a vida fragmentar-se. Caminhava calmamente, e no trabalho, a rotina tomou conta de seu dia. Durante o dia todo, Maria não teve tempo de pensar no marido bêbado, nos filhos, em problemas financeiros. Não pensava neles não por estar ocupada demais, mas por estar cansada demais. Maria só queria uns dias para si, sem ter que pensar que as coisas vão transformar-se, mas sentir as mudanças. Ao sair do trabalho, Maria decidiu não ir direto para casa, como fazia todos dias. Parou em um bar próximo ao serviço e pediu uma dose de rum. Foram duas ou três: cabisbaixa, Maria pensava em uma liberdade perdida, em sentimentos de futuro já passados e em promessas de sentimentos infinitos. Pagou a conta com uma nota de vinte, ajeitando a manga do vestido, para em seguida levantar-se. Não cambaleava e não mostrava sinais de embriaguez. Ao chegar em casa, Maria encontrou o marido dormindo na mesma posição em que o deixara pela manhã, como se aquele dia – tão pesado! – não tivesse existido. Foi dormir com a sensação de ter sonhado. roubado de O Diazepam, texto de dezembro de 2008, mas que me lembra o meu eu de hoje.
To Make Routine a Stimulus
Remember it can cease -
Capacity to Terminate
Is a Specific Grace -
Of Retrospect the Arrow
That power to repair
Departed with the Torment
Become, alas, more fair -
Emily Dickinson, 1871
quarta-feira, dezembro 30, 2009
Routine
escrito por Manuela às 01:03 2 comentaram
Graduei-me
TRÊS POR QUATRO: REVISTA TEMÁTICA DE FOTOGRAFIA BRASILEIRA
TRECHO:
3.2 Segmentação da segmentação
Não podemos tratar as revistas de fotografia, sem antes detalhar um pouco o conceito de segmentação. Para Mira, a segmentação das revistas é fruto do que David Harvey chama, de modo abrangente, “acumulação flexível”, ou seja, o novo modelo que gradualmente substituiu o fordismo, após a crise do petróleo de 1973. “Os anos de crise ensejariam inovações tecnológicas, financeiras, organizacionais e mercadológicas, todas direcionadas à flexibilização” (MIRA, 2001, p148). Isso é o completo oposto da produção idealizada por Ford, a partir do início do século XX. O fordismo era lento, pesado, estruturado e baseava-se mais em produção para grandes massas, em grande escala. Com a flexibilização, seria possível atender demandas mais específicas.
O processo de segmentação na área de publicações periódicas, porém, só vai ocorrer de forma sistemática a partir dos anos 90, quando há uma enorme aceleração e aumento do número de revistas. “Uma verdadeira avalanche de publicações superlota as bancas. No mercado brasileiro falava-se, em 1997, em pelo menos 1130 títulos diferentes. O mesmo acontece, como se sabe, em vários países do mundo” (MIRA, 2001, p. 213).
Marília Scalzo afirma que os tipos mais comuns de segmentação são dados por gênero, idade, geografia e tema. E dentro desses recortes, é possível ainda observar a “segmentação da segmentação”:
Por exemplo, partindo do público de pais de crianças, é possível fazer revistas para pais, para mães, para mães de bebês, para mães de bebês gêmeos, para mães de bebês gêmeos que moram em São Paulo... É possível estender e afunilar a lista até chegarmos a grupos muito pequenos - e se quisermos ir ao extremo, até chegar a cada indivíduo em particular. (SCALZO, 2003, p. 49)
No universo das revistas pesquisadas, é notável a diversidade de tipos e públicos-alvo e essa nuance se faz notar claramente. Há revistas de fotografia preto e branco (B&W é exemplo); revistas para fotógrafos amadores (como Super Foto Prática); revistas para fotógrafos profissionais (como PDN); revistas que destacam o equipamento fotográfico (como Fotografe Melhor); revistas sobre fotografia como forma de expressão (como a Camera suiça); revistas sobre teoria da fotografia (a acadêmica Imagens é editada na Universidade de Campinas); revistas para colecionadores de fotografia (a Focus americana foca seus esforços nesse tipo de leitor); revistas para empresários do ramo da fotografia (como Fhox ou Photos); etc.
“As revistas têm a capacidade de reafirmar a identidade de grupos de interesses específicos, funcionando muitas vezes como uma espécie de carteirinha de acesso a eles” (SCALZO, 2003). No mundo das revistas de fotografia não é diferente: cada uma delas se estabelece como de interesse de um tipo de leitor, mesmo que o universo amantes-da-fotografia-que-compram-revistas não seja tão grande ou abrangente quanto o de outros gêneros de publicação como as femininas, masculinas ou para adolescentes. Ou mesmo, que não seja comparável a outros mercados de segmentação como revistas de negócios ou esportes. Mesmo com menos interessados, o mercado das revistas de fotografia mostra que a segmentação pode ser a chave para se obter sucesso comercial no mundo das revistas.
Mas é importante que o público a que se dirija uma revista possua potencial de consumo. “Antes de ser mercado, onde estavam as mulheres, os negros e os aposentados? Naturalmente, eles já existiam, mas não haviam expressado sua diferença em relação a outros segmentos.” (MIRA, 2001, p 214)
Além disso, é preciso “entender quais são as tendências que estão surgindo e quais delas podem traduzir-se em novos títulos” (SCALZO, 2003, p.50). Pois, naturalmente, uma publicação precisa ter, além de anunciantes, leitores que a sustentem neste mundo de bancas de revistas abarrotadas de títulos e assinaturas cada vez mais vantajosas ao consumidor.
No dia 09 de dezembro de 2009, graduei-me jornalista. Sem essas firulas de diploma (que só chega no dia 23 de abril), graduei-me verdadeiramente (e com nota 10) ao apresentar diante de banca de avaliação - formada por meu orientador Prof. Ms. Osvaldo Santos Lima e os professores convidados Profa. Dra. Myrian Del Vechio e Prof. Ms. Paulo Henrique Camargo - o trabalho de conclusão de curso Três por Quatro: Revista Temática de Fotografia Brasileira. Obrigada novamente a todos os que me acompanharam nessa lenta e difícil jornada de 2009. E aos que, de longe, torceram por mim. Ainda não sei bem o que farei quando receber meu diploma, mas sei que 2010 prepara surpresas deliciosas, novidades surpreendentes, muita mudança, alegria, prosperidade e novos ares. Tudo necessário.
escrito por Manuela às 00:20 2 comentaram
quarta-feira, setembro 23, 2009
I'm (kinda) back
Para não dizer que este blog morreu completamente, volto à casa para deixar-lhes (esse s é meio duvidoso) um texto-reportagem que apurei e escrevi com minha amiga querida Iasa Monique (do descuido) para uma matéria da faculdade. Também tem um ensaio fotográfico meu. Não é o nosso melhor, né, mas acho que ficou legal e digno desse espaço. Quando eu voltar de uma viagem muito estranha que é o trabalho de conclusão de curso, volto a postar com mais frequencia meus devaneios e desvarios.
Poucas são tão curitibanas quanto Paula. Cinza dos pés à cabeça, ilumina-se nas primeiras horas do dia, quando é vista pelo sol. Não tem pressa, Paula vive devagar. Parada no tempo. Pela manhã, tem ares de senhora – e agita-se um pouco durante à tarde, para, à noite, ninguém lembrar que acordou daquele jeito.
A rua Paula Gomes é uma graciosa contradição. Localizada no centro histórico de Curitiba, berço da cidade, fica perto de tudo – Praça Tiradentes, Shopping Mueller, Praça 19 de Dezembro, Largo da Ordem – mas mantém o pacato ritmo de uma Curitiba de antigamente.
Lino de Barros, dono do antigo restaurante Beija-Flor, conta que desde 1972, ano em que abriu seu negócio, nada mudou – mas tudo se transformou. Há 37 anos, não havia shopping, não havia escritórios: o comércio era outro com quitandas, vendas e mercearia. Agora o comércio é dominado pelos brechós o que o “Português”, como Lino é conhecido, acha o fim das redondezas.
Todo sábado, tem feijoada no Beija-Flor. O restaurante fica ali na esquina com a Mateus Leme e, além de servir almoço, reúne seus habitués para as partidas de futebol acompanhadas de cerveja e porçõezinhas. Na década de 70, o restaurante ficava lotado todos os dias da semana – o centro da cidade era repleto de fábricas e era “no” Português que os operários iam comer.
Tanto o tempo era outro que até o sentido da rua era diferente – ao invés de ir do bairro São Francisco para o centro, fazia o caminho contrário. E aí reside o encanto da rua, sutil e carinhosamente percebido por quem está ali todos os dias, mantendo o pequeno e fiel comércio concentrado entre as ruas Duque de Caxias e Mateus Leme: um açougue, duas lojas de costura, três sebos, um restaurante, uma gráfica, alguns escritórios de advocacia, um conservatório musical, uma loja de consertos de eletrodomésticos, um centro de aulas de acordeon (o melhor do Brasil, diz a placa), um curso de manipulação e movimento de coisas perigosas (!), um hotel, uma revistaria, uma loja de venda de máquinas antigas de escrever, onde o dono, João Arley, não cansa de apreciar a paz da vizinhança – que pode mudar mas deixa como herança as mesmas portas, os mesmos estabelecimentos, a mesma identidade de seus paralelepípedos desgastados pelo tempo.
O Açougue Santo Garcia está na Paula há 31 anos. Já teve três donos: o fundador foi Valdemar Armelin, o do meio chamava Santo, daí o nome, e o terceiro é Cláudio Sinon. Ao cortar pequenos pedaços de carne que provavelmente virarão suculentos bifes na mesa da senhora que aguarda o pedido, Cláudio garante conhecer a maioria de seus clientes devido à fidelidade. Eles vêm de todas as partes da cidade como Oscar Salazar, o ‘seu’ Oscar, que morava ali pertinho, na 13 de maio. Com os novos tempos, mudou-se para mais longe, mas não deixou de comprar carne “no Cláudio” que, mesmo para gaúcho como ele, é a melhor picanha da cidade.
Um pouco mais pra cima, lá quando Paula Gomes cruza a Parnaíba, pertinho da Manoel Ribas, as casinhas têm cara simpática: portões decorados, de abrir na fechadura, com formas de flores e folhas e em cores brancas, verdes, marrons. Uma coladinha na outra, enquanto a rua desce em direção ao centro. Aos poucos, vão surgindo pequenos prédios residenciais, coisa de quatro ou cinco andares. A fachada de um deles Lauro Correia da Silva contempla todas as manhãs, quando põe o nariz pra fora da portaria e se dá a varrer as folhas caídas na calçada. Lauro é porteiro de um dos prédios de Paula há doze anos, e há seis meses tem nova companhia para o trabalho matinal: é Edna Santana, zeladora do prédio em frente, que varre a rua seis vezes por semana e sempre às oito da manhã, porque senão “fica parecendo um corredor de folha”.
Vera Lucia, algumas quadras depois, reclama do entardecer de Paula. Diz que é perigoso. O bar em frente à casa de costura de Vera (O Torto, famoso pelas mesas na calçada e os bolinhos fritos) está em férias. Ela desconfia do motivo de descanso alegado pelo dono: para Vera, ele quis é dar um tempo na concentração de bebuns que ficavam por ali espantando a freguesia. Da casa de costura, que precisa ser fechada às 18h no máximo (questão de segurança), Vera avista, vez ou outra, um ou outro bêbado sentado nas calçadas vazias de Paula à noite, ou ouve os assaltos na quadra conseguinte, na Duque de Caxias. Mas isso é mais fim de semana, mesmo, quando o pessoal mal intencionado vem meio embriagado do Largo da Ordem, ela diz. Quando é mais cedo, lá pelas dez, e O Torto tá cheio, é mais tranqüilo e iluminado. O bar, por sinal, é eleito por Dani Ribeiro como um dos mais legais pra ir tomar cerveja. A rua é gostosa, o pessoal fica na calçada, tem sinuca e perto de tudo. Alguma coisa O Torto tem, pra encher de gente daquele jeito.
A marginalidade da Paula não chega a ser um problema crônico, mas incomoda. Para o Cláudio do Açougue, já foi pior quando a região era repleta de pensões. Hoje, para ele, quem traz mais bagunça são mesmo os bares próximos. Dos brexós reclama o Português que acha que só quem vende roupa é ladrão de varal. Daniel Rodrigues e sua mãe tinham acabado de chegar de São Paulo diretamente para a Paula e não fazia uma semana que tinham aberto um Brechó. O objetivo dos dois é “desovar” as roupas antigas e só trabalhar com alta-costura. Entre sedas, paetês e muitos brilhos, ele diz que o preço baixo do aluguel do espaço compensa o perigo de assaltos: a Paula é melhor que outras regiões do centro da cidade. Provavelmente, Lino olhará torto para a loja de Daniel, mas não se preocupa muito porque diz que esse tipo de estabelecimento abre e fecha em um instante. Um ano é o prazo de falência ou troca de proprietário que o atento Português prevê para os espaços da Paula.
Curioso também é o fim da Paula. Ela acaba juntinho da Riachuelo, que é conhecida pela venda de móveis antigos (e, de noite, por suas moças sedutoras). De um lado, o polêmico homem nu e sua esposa observam atentos nossa Paula. Do outro, Louvor Eterno anuncia a placa do estabelecimento auto-intitulado Mercadão Evangélico que vende CDs de música religiosa . Do lado, a Shop Evangélica oferece músicas gravadas pela Shalom Records, além de muita moda para casais, adolescentes e crianças evangélicas.
escrito por Manuela às 00:23 2 comentaram
quarta-feira, março 18, 2009
segunda-feira, janeiro 26, 2009
canção
Eu ouvi dizer... que você, assim...
Como quem não quer nada, perguntou por mim...
Agora... logo agora... justo agora...
Eu ouvi você... me dizer que sim...
Mas era silêncio que se ouvia quando dei por mim
(Adriana Calcanhoto)
escrito por Manuela às 01:48 5 comentaram