Para não dizer que este blog morreu completamente, volto à casa para deixar-lhes (esse s é meio duvidoso) um texto-reportagem que apurei e escrevi com minha amiga querida Iasa Monique (do descuido) para uma matéria da faculdade. Também tem um ensaio fotográfico meu. Não é o nosso melhor, né, mas acho que ficou legal e digno desse espaço. Quando eu voltar de uma viagem muito estranha que é o trabalho de conclusão de curso, volto a postar com mais frequencia meus devaneios e desvarios.
Poucas são tão curitibanas quanto Paula. Cinza dos pés à cabeça, ilumina-se nas primeiras horas do dia, quando é vista pelo sol. Não tem pressa, Paula vive devagar. Parada no tempo. Pela manhã, tem ares de senhora – e agita-se um pouco durante à tarde, para, à noite, ninguém lembrar que acordou daquele jeito.
A rua Paula Gomes é uma graciosa contradição. Localizada no centro histórico de Curitiba, berço da cidade, fica perto de tudo – Praça Tiradentes, Shopping Mueller, Praça 19 de Dezembro, Largo da Ordem – mas mantém o pacato ritmo de uma Curitiba de antigamente.
Lino de Barros, dono do antigo restaurante Beija-Flor, conta que desde 1972, ano em que abriu seu negócio, nada mudou – mas tudo se transformou. Há 37 anos, não havia shopping, não havia escritórios: o comércio era outro com quitandas, vendas e mercearia. Agora o comércio é dominado pelos brechós o que o “Português”, como Lino é conhecido, acha o fim das redondezas.
Todo sábado, tem feijoada no Beija-Flor. O restaurante fica ali na esquina com a Mateus Leme e, além de servir almoço, reúne seus habitués para as partidas de futebol acompanhadas de cerveja e porçõezinhas. Na década de 70, o restaurante ficava lotado todos os dias da semana – o centro da cidade era repleto de fábricas e era “no” Português que os operários iam comer.
Tanto o tempo era outro que até o sentido da rua era diferente – ao invés de ir do bairro São Francisco para o centro, fazia o caminho contrário. E aí reside o encanto da rua, sutil e carinhosamente percebido por quem está ali todos os dias, mantendo o pequeno e fiel comércio concentrado entre as ruas Duque de Caxias e Mateus Leme: um açougue, duas lojas de costura, três sebos, um restaurante, uma gráfica, alguns escritórios de advocacia, um conservatório musical, uma loja de consertos de eletrodomésticos, um centro de aulas de acordeon (o melhor do Brasil, diz a placa), um curso de manipulação e movimento de coisas perigosas (!), um hotel, uma revistaria, uma loja de venda de máquinas antigas de escrever, onde o dono, João Arley, não cansa de apreciar a paz da vizinhança – que pode mudar mas deixa como herança as mesmas portas, os mesmos estabelecimentos, a mesma identidade de seus paralelepípedos desgastados pelo tempo.
O Açougue Santo Garcia está na Paula há 31 anos. Já teve três donos: o fundador foi Valdemar Armelin, o do meio chamava Santo, daí o nome, e o terceiro é Cláudio Sinon. Ao cortar pequenos pedaços de carne que provavelmente virarão suculentos bifes na mesa da senhora que aguarda o pedido, Cláudio garante conhecer a maioria de seus clientes devido à fidelidade. Eles vêm de todas as partes da cidade como Oscar Salazar, o ‘seu’ Oscar, que morava ali pertinho, na 13 de maio. Com os novos tempos, mudou-se para mais longe, mas não deixou de comprar carne “no Cláudio” que, mesmo para gaúcho como ele, é a melhor picanha da cidade.
Um pouco mais pra cima, lá quando Paula Gomes cruza a Parnaíba, pertinho da Manoel Ribas, as casinhas têm cara simpática: portões decorados, de abrir na fechadura, com formas de flores e folhas e em cores brancas, verdes, marrons. Uma coladinha na outra, enquanto a rua desce em direção ao centro. Aos poucos, vão surgindo pequenos prédios residenciais, coisa de quatro ou cinco andares. A fachada de um deles Lauro Correia da Silva contempla todas as manhãs, quando põe o nariz pra fora da portaria e se dá a varrer as folhas caídas na calçada. Lauro é porteiro de um dos prédios de Paula há doze anos, e há seis meses tem nova companhia para o trabalho matinal: é Edna Santana, zeladora do prédio em frente, que varre a rua seis vezes por semana e sempre às oito da manhã, porque senão “fica parecendo um corredor de folha”.
Vera Lucia, algumas quadras depois, reclama do entardecer de Paula. Diz que é perigoso. O bar em frente à casa de costura de Vera (O Torto, famoso pelas mesas na calçada e os bolinhos fritos) está em férias. Ela desconfia do motivo de descanso alegado pelo dono: para Vera, ele quis é dar um tempo na concentração de bebuns que ficavam por ali espantando a freguesia. Da casa de costura, que precisa ser fechada às 18h no máximo (questão de segurança), Vera avista, vez ou outra, um ou outro bêbado sentado nas calçadas vazias de Paula à noite, ou ouve os assaltos na quadra conseguinte, na Duque de Caxias. Mas isso é mais fim de semana, mesmo, quando o pessoal mal intencionado vem meio embriagado do Largo da Ordem, ela diz. Quando é mais cedo, lá pelas dez, e O Torto tá cheio, é mais tranqüilo e iluminado. O bar, por sinal, é eleito por Dani Ribeiro como um dos mais legais pra ir tomar cerveja. A rua é gostosa, o pessoal fica na calçada, tem sinuca e perto de tudo. Alguma coisa O Torto tem, pra encher de gente daquele jeito.
A marginalidade da Paula não chega a ser um problema crônico, mas incomoda. Para o Cláudio do Açougue, já foi pior quando a região era repleta de pensões. Hoje, para ele, quem traz mais bagunça são mesmo os bares próximos. Dos brexós reclama o Português que acha que só quem vende roupa é ladrão de varal. Daniel Rodrigues e sua mãe tinham acabado de chegar de São Paulo diretamente para a Paula e não fazia uma semana que tinham aberto um Brechó. O objetivo dos dois é “desovar” as roupas antigas e só trabalhar com alta-costura. Entre sedas, paetês e muitos brilhos, ele diz que o preço baixo do aluguel do espaço compensa o perigo de assaltos: a Paula é melhor que outras regiões do centro da cidade. Provavelmente, Lino olhará torto para a loja de Daniel, mas não se preocupa muito porque diz que esse tipo de estabelecimento abre e fecha em um instante. Um ano é o prazo de falência ou troca de proprietário que o atento Português prevê para os espaços da Paula.
Curioso também é o fim da Paula. Ela acaba juntinho da Riachuelo, que é conhecida pela venda de móveis antigos (e, de noite, por suas moças sedutoras). De um lado, o polêmico homem nu e sua esposa observam atentos nossa Paula. Do outro, Louvor Eterno anuncia a placa do estabelecimento auto-intitulado Mercadão Evangélico que vende CDs de música religiosa . Do lado, a Shop Evangélica oferece músicas gravadas pela Shalom Records, além de muita moda para casais, adolescentes e crianças evangélicas.
2 comentários:
gostei das fotos.
pertinho de casa.
adorável menina, beijo!
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