quarta-feira, dezembro 30, 2009

Routine



Eve Arnold, 1954, Havana, Magnun Agency


To Make Routine a Stimulus
Remember it can cease -
Capacity to Terminate
Is a Specific Grace -
Of Retrospect the Arrow
That power to repair
Departed with the Torment
Become, alas, more fair -

Emily Dickinson, 1871


Aquele fora um dia pesado. Maria levantou-se da cama na mesma hora de sempre, às seis e meia da manhã, horário a que seus olhos já se acostumaram. Adestrados, eles se abriram inesperadamente, trinta segundos antes do soar do despertador. O marido roncava a seu lado, chegara bêbado na noite anterior. Maria não era mulher de se enrolar, olhou para os lados e levantou-se, muito rapidamente. Após movimentos rotineiros da manhã, que ela fez mecanicamente, como um pequeno robô, saiu para trabalhar, deixando para o marido e para as crianças o desjejum sobre a mesa. Caminhar para o trabalho era uma rotina agradável.


Maria gosta do cheiro da cidade pela amanhã; ela sente um frescor, as pessoas caminham com frio – já vai esquentar, pensam, esfregando as mãos nos braços. Naquela madrugada, uma chuva fina caíra, e Maria sentiu-se feliz, pois gosta mais ainda do cheiro da cidade depois da chuva. “Não há nada como o asfalto molhado”, pensou. A cidade satisfeita com o banho oportuno, limpa como há de ser, livre de incômodos odores, pulsando em concreto. Maria é uma mulher urbana, nasceu em meio à urbe e dela nunca saiu. Não saberia viver sem esse calor, essa emoção, essas cores e esses sons.


Naquele dia Maria sentiu a vida fragmentar-se. Caminhava calmamente, e no trabalho, a rotina tomou conta de seu dia. Durante o dia todo, Maria não teve tempo de pensar no marido bêbado, nos filhos, em problemas financeiros. Não pensava neles não por estar ocupada demais, mas por estar cansada demais. Maria só queria uns dias para si, sem ter que pensar que as coisas vão transformar-se, mas sentir as mudanças. Ao sair do trabalho, Maria decidiu não ir direto para casa, como fazia todos dias. Parou em um bar próximo ao serviço e pediu uma dose de rum. Foram duas ou três: cabisbaixa, Maria pensava em uma liberdade perdida, em sentimentos de futuro já passados e em promessas de sentimentos infinitos. Pagou a conta com uma nota de vinte, ajeitando a manga do vestido, para em seguida levantar-se. Não cambaleava e não mostrava sinais de embriaguez. Ao chegar em casa, Maria encontrou o marido dormindo na mesma posição em que o deixara pela manhã, como se aquele dia – tão pesado! – não tivesse existido. Foi dormir com a sensação de ter sonhado.





roubado de O Diazepam, texto de dezembro de 2008, mas que me lembra o meu eu de hoje.

2 comentários:

balloona disse...

nice


Balloona's Blog
unser Hobby
Balloona Homepage
Balloona bei Flickr

Ariany disse...

Olá,

Represento o Blog Vestibular, da FECAP, e gostaria de convidá-lo a conhecer e opinar num ambiente repleto de informações sobre educação: http://fecapblogvestibular.blogspot.com/
Conto com a sua visita!
Até mais!