Muriano, fronte de Cordoba. 5 de setembro de 1936. Soldado da milícia republicana, Frederico Borrel Garcia, no momento de sua morte. (“O Momento da Morte”, “O Soldado que cai” ou “A Morte de um Soldado Legalista”). Magnum Photos, Robert Capa © 2001 Cornell Capa
“A foto é como uma citação ou uma máxima ou um provérbio,. Cada um de nós estoca, na mente, centenas de fotos, que podem ser recuperadas instantaneamente. Mencione a mais famosa foto tirada na Guerra Cifil Espanhol, a do soldado republicano “alvejado” pela câmera de Robert Capa no mesmo instante em que é atingido por uma bala inimiga, e quase todos os que ouviram falar dessa guerra poderão evocar a imagem granulada em preto e branco de um homem de camisa branca, com as mangas arregaçadas, tombando para trás na beira de uma colina, o braço direito lançado para trás enquanto a mão solta o rifle; ele está prestes a cair, morte, sobre a própria sobra” (Sontag, 2003)
"O sociólogo francês Roland Barthes, afirma, em seu livro A Câmara Clara, que toda fotografia tem o que ele denomina punctum. O punctum é algo que punge o observador, que chama sua atenção, que o emociona, que o fere. Esse punctum é sempre algo subjetivo, individual e quase que único. Para mim, o punctum da fotografia "O momento da Morte" não está na imagem. O que me fere, me choca, me punge é o fato de que Robert Capa estava ali, naquele momento, tão próximo deste miliciano e de ter tido a capacidade, o sangue frio de fotografá-la.
Mas, o esforço não foi em vão. Com ela, Capa chocou (e ainda choca) o mundo com os horrores da Guerra Civil Espanhola, como Picasso fez ao pintar Guernica. Contudo, ao contrário do quadro, a foto mostra um horror que existiu em um determinado instante e cuja luz marcou para sempre o negativo que estava dentro da câmara 35 mm de Robert Capa, o que praticamente dá a ela uma aura de veracidade e força.
Ainda assim, muito se discute sobre a autenticidade dessa imagem, que já foi provada como verdadeira. Como Capa costumava dizer: se você não está suficientemente perto, suas fotos não serão suficientemente boas. Nesse momento e até no momento de sua morte, Robert Capa seguia a risca essa filosofia (o fotográfo morreu com a explosão de uma mina enquanto cobria a guerra da Indochina)
A imagem de Capa é bela e triste. A tristeza vem da obviedade de uma morte sem sentido, sem propósito, precoce e trágica. O soldado miliciano, trajado com roupas de civil - camisa branca de colarinho - larga sua arma no instante da morte com um tiro certeiro na testa. Uma imagem forte com quatro elementos visíveis: o homem, a arma, a sombra, e o vazio. E dois elementos invisíveis: o atirador e o fotógrafo.
Para mim, o que faz essa foto genial é o vazio e a sombra. Esta última parece estar em outra posição, que não a do homem. Parece correr da morte iminente, tentar fugir do enquadramento. E o vazio passa a idéia da solidão, da aridez de sentimentos que é a guerra. Um homem cai no vazio sem motivo nobre. O motivo nobre só vem com o conjunto, com a análise histórica da guerra. Um homem caído sozinho no campo não teve motivo para morrer. Mas essa imagem tornou-se um símbolo desse conflito. Historicamente, posso dizer que ela representa o fim da esperança dos legalistas/republicanos, embora ela tenha sido tirada em 1936, quando ainda havia esperanças.
“O ato de fotografar se realiza em uma fração mínima de tempo, e essa característica marca toda a complexidade e a singularidade da fotografia”, afirma Milton Guran, em seu livro “Linguagem fotográfica e informação”. Isso quer dizer que, de tão rápida, fugaz, a fotografia registra um momento único, não mais reproduzível e morto. E nessa fotografia de Robert Capa isso fica explícito.
A conclusão a que chego é a de que o fotojornalismo, assim como a arte, pode levar as pessoas a enxergarem melhor uma realidade distante, um sofrimento longínquo ou mesmo o terror de outra nação.
Ao simplesmente observar a fotografia de Robert Capa, pode-se perceber todo o horror de uma guerra injusta, injustificável e cruel. Os republicanos sofreram não só nas mãos de seus inimigos próximos, os nacionalistas, como sofreram nas mãos dos nazistas alemães e fascistas italianos. Além disso, sofreram o esquecimento da Inglaterra e a negação de França e União Soviética no momento em que mais precisavam de ajuda
Em prol de uma esperança de segurança e proteção do nazismo de Hitler, de sua sede imperialista, os países europeus deixaram a Espanha se destruir e ser dominada por uma ditadura fascista. Os esforços em “não intervir” acabaram por impulsionarem uma tendência que levou à Segunda Guerra Mundial.
A fotografia de Capa nos mostra tudo isso. O abandono de um soldado republicano, um civil que morre de um tiro na cabeça provindo de um soldado fascista. Ele cai em um campo da Espanha qualquer e leva junto consigo a Espanha em que acreditava, livre e democrática. Ou não. A cortina de ferro sobre ela poderia ter caído. Não pode-se analisar fatos que não foram.
Mas é fato que Frederico Borrel Garcia caiu naquele fatídico 5 de setembro de 1937 e deixou para trás esperanças mil. Robert Capa estava lá e registrou o momento para um sempre de reflexões, indagações e mistérios. O que fez Capa estar ali naquele momento exato? Sorte? Intuição? Ou sangue frio? Esses mistérios, o fotógrafo levou consigo quando, com a câmara no pescoço, sofreu ele as conseqüências de uma guerra cruel e triste."
Escrevi esse texto em novembro de 2007. Recentemente, foi devolvida ao Internacional Centre of Photography (criado em homenagem a Robert Capa) uma mala com 3500 negativos da Guerra Civil Espanhola, dada como perdida quando Capa foi forçado a deixar a Europa, no ínicio da Segunda Guerra Mundial. Há esperança de que nela sejam encontrados os negativos de "O momento da Morte". Talvez isso venha esclarecer um pouco melhor os mistérios que a circundam. Vamos esperar.
“A foto é como uma citação ou uma máxima ou um provérbio,. Cada um de nós estoca, na mente, centenas de fotos, que podem ser recuperadas instantaneamente. Mencione a mais famosa foto tirada na Guerra Cifil Espanhol, a do soldado republicano “alvejado” pela câmera de Robert Capa no mesmo instante em que é atingido por uma bala inimiga, e quase todos os que ouviram falar dessa guerra poderão evocar a imagem granulada em preto e branco de um homem de camisa branca, com as mangas arregaçadas, tombando para trás na beira de uma colina, o braço direito lançado para trás enquanto a mão solta o rifle; ele está prestes a cair, morte, sobre a própria sobra” (Sontag, 2003)
"O sociólogo francês Roland Barthes, afirma, em seu livro A Câmara Clara, que toda fotografia tem o que ele denomina punctum. O punctum é algo que punge o observador, que chama sua atenção, que o emociona, que o fere. Esse punctum é sempre algo subjetivo, individual e quase que único. Para mim, o punctum da fotografia "O momento da Morte" não está na imagem. O que me fere, me choca, me punge é o fato de que Robert Capa estava ali, naquele momento, tão próximo deste miliciano e de ter tido a capacidade, o sangue frio de fotografá-la.
Mas, o esforço não foi em vão. Com ela, Capa chocou (e ainda choca) o mundo com os horrores da Guerra Civil Espanhola, como Picasso fez ao pintar Guernica. Contudo, ao contrário do quadro, a foto mostra um horror que existiu em um determinado instante e cuja luz marcou para sempre o negativo que estava dentro da câmara 35 mm de Robert Capa, o que praticamente dá a ela uma aura de veracidade e força.
Ainda assim, muito se discute sobre a autenticidade dessa imagem, que já foi provada como verdadeira. Como Capa costumava dizer: se você não está suficientemente perto, suas fotos não serão suficientemente boas. Nesse momento e até no momento de sua morte, Robert Capa seguia a risca essa filosofia (o fotográfo morreu com a explosão de uma mina enquanto cobria a guerra da Indochina)
A imagem de Capa é bela e triste. A tristeza vem da obviedade de uma morte sem sentido, sem propósito, precoce e trágica. O soldado miliciano, trajado com roupas de civil - camisa branca de colarinho - larga sua arma no instante da morte com um tiro certeiro na testa. Uma imagem forte com quatro elementos visíveis: o homem, a arma, a sombra, e o vazio. E dois elementos invisíveis: o atirador e o fotógrafo.
Para mim, o que faz essa foto genial é o vazio e a sombra. Esta última parece estar em outra posição, que não a do homem. Parece correr da morte iminente, tentar fugir do enquadramento. E o vazio passa a idéia da solidão, da aridez de sentimentos que é a guerra. Um homem cai no vazio sem motivo nobre. O motivo nobre só vem com o conjunto, com a análise histórica da guerra. Um homem caído sozinho no campo não teve motivo para morrer. Mas essa imagem tornou-se um símbolo desse conflito. Historicamente, posso dizer que ela representa o fim da esperança dos legalistas/republicanos, embora ela tenha sido tirada em 1936, quando ainda havia esperanças.
“O ato de fotografar se realiza em uma fração mínima de tempo, e essa característica marca toda a complexidade e a singularidade da fotografia”, afirma Milton Guran, em seu livro “Linguagem fotográfica e informação”. Isso quer dizer que, de tão rápida, fugaz, a fotografia registra um momento único, não mais reproduzível e morto. E nessa fotografia de Robert Capa isso fica explícito.
A conclusão a que chego é a de que o fotojornalismo, assim como a arte, pode levar as pessoas a enxergarem melhor uma realidade distante, um sofrimento longínquo ou mesmo o terror de outra nação.
Ao simplesmente observar a fotografia de Robert Capa, pode-se perceber todo o horror de uma guerra injusta, injustificável e cruel. Os republicanos sofreram não só nas mãos de seus inimigos próximos, os nacionalistas, como sofreram nas mãos dos nazistas alemães e fascistas italianos. Além disso, sofreram o esquecimento da Inglaterra e a negação de França e União Soviética no momento em que mais precisavam de ajuda
Em prol de uma esperança de segurança e proteção do nazismo de Hitler, de sua sede imperialista, os países europeus deixaram a Espanha se destruir e ser dominada por uma ditadura fascista. Os esforços em “não intervir” acabaram por impulsionarem uma tendência que levou à Segunda Guerra Mundial.
A fotografia de Capa nos mostra tudo isso. O abandono de um soldado republicano, um civil que morre de um tiro na cabeça provindo de um soldado fascista. Ele cai em um campo da Espanha qualquer e leva junto consigo a Espanha em que acreditava, livre e democrática. Ou não. A cortina de ferro sobre ela poderia ter caído. Não pode-se analisar fatos que não foram.
Mas é fato que Frederico Borrel Garcia caiu naquele fatídico 5 de setembro de 1937 e deixou para trás esperanças mil. Robert Capa estava lá e registrou o momento para um sempre de reflexões, indagações e mistérios. O que fez Capa estar ali naquele momento exato? Sorte? Intuição? Ou sangue frio? Esses mistérios, o fotógrafo levou consigo quando, com a câmara no pescoço, sofreu ele as conseqüências de uma guerra cruel e triste."
Escrevi esse texto em novembro de 2007. Recentemente, foi devolvida ao Internacional Centre of Photography (criado em homenagem a Robert Capa) uma mala com 3500 negativos da Guerra Civil Espanhola, dada como perdida quando Capa foi forçado a deixar a Europa, no ínicio da Segunda Guerra Mundial. Há esperança de que nela sejam encontrados os negativos de "O momento da Morte". Talvez isso venha esclarecer um pouco melhor os mistérios que a circundam. Vamos esperar.
3 comentários:
lindo, manu.
Olá, Manoela. Parabéns pela matéria, muito interessante. Obrigado.
Muito interessante, tenha essa foto desde que comprei um livro sobre a Guerra de Espanha que tenho em Lisboa e que aqui em Juiz de Fora não posso recordar com exatidão mas creio ser em "Livres de Poche", Gallimard (?).
A foto sempre me impressionou mas nunca consegui construir um discurso sobre ela, nem com a ajuda de"A Câmara Clara" de R. Barthes. Agora este texto de Manuela. Parabéns.
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