A perspectiva da cidade muda completamente quando se é turista. Nessa condição, tudo tem seu ar mágico: as pombas, os mendigos, os velhos, os telhados, os varais, as calçadas, os ônibus, o trânsito, os táxis, as árvores, as bicicletas, os artistas de rua, as prostitutas, os cachorros e a chuva. Até o céu nublado tem seu charme quando se é forasteiro.
Claro, tudo é absolutamente novo. Nem tanto. Viajo todos os anos ao Recife, já vi e revi todas as suas belas paisagens. Mas sempre que volto, sinto que seus pequenos detalhes são infinitamente mais divertidos que os de minha cidade. Posso argumentar que Curitiba não é exatamente um lugar belo e divertido, o que se torna uma inverdade dolorida quando percebo que me faltam olhos curiosos de turistas para enxergá-la de verdade.
Certo dia, resolvi experimentar. Lembrei-me vagamente de minhas viagens: dos ambulantes do Recife aos taxistas paulistanos, da feira de Caruaru à 42nd Street em New York, da noite no cais recifense aos copos y tapas de Madrid e da serra gaúcha ao bucólico campo português. Ao respirar essas lembranças, tinha a nítida sensação de que fui observadora minuciosa desses lugares, mas que eles são apenas memória. Curitiba é real, é tangível. O mapa não está em punho, está intrincado no cérebro.
Com isso em mente, coloquei meus ‘óculos de turista’ e saí a caminhar pela ‘XV’ de câmara fotográfica em punho, como manda o figurino. Sem idéias preconcebidas, consegui achar bonito o vôo das pombas da Santos Andrade, os mendigos da Riachuelo, os bolivianos gaiteiros, as estátuas vivas e os poetas que amam a lua. Até a campanha política eu apreciei: peguei todos os santinhos. Eu vi tantas coisas bonitas, admiráveis, estupendas. Passei pelo Largo – pedi pra tirarem uma foto minha junto do bebedouro –, entrei na Catedral e fiz compras na Casa China. Depois, um pequeno ‘sightseeing’ pela Rui Barbosa, pela Tiradentes, através da Rua 24 Horas (achei até charmoso ela estar fechada). Então, entrei no tubo e peguei o biarticulado, achando tudo o máximo. Dei uma passadinha no Botânico e fui para casa.
No dia seguinte, fui revelar o filme: estava queimado. Do meu passeio turístico por Curitiba nada sobrou. Ao sair da loja, ali na confusão da Marechal Deodoro pensei: tudo tão banal, que vontade de viajar.
* Crônica produzida para Redação Jornalística III
Um comentário:
Gostei muito deste texto, pena que o filme queimou.
Não sou tão "viajado" quanto você, conheço algumas cidades brasileiras, Cidade de Leste no Paraguai (rs) e Porto Iguaçu na Argentina. Posso dizer que realmente nossos olhos são diferentes quando estamos longe de casa, isso é gostoso. Contudo, por enquanto não trocaria Curitiba por nenhum destes lugares que estive. Ainda não achei uma cidade que me fizesse pensar em mudança, talvez algum dia ainda eu tenha a oportunidade de ir para a Europa ou América do Norte e então quem sabe eu mude de opinião.
Gostei de da sugestão de ser turista na própria cidade, acho que vou experimentar isso.
Um abraço!
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