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“A foto é como uma citação ou uma máxima ou um provérbio,. Cada um de nós estoca, na mente, centenas de fotos, que podem ser recuperadas instantaneamente. Mencione a mais famosa foto tirada na Guerra Cifil Espanhol, a do soldado republicano “alvejado” pela câmera de Robert Capa no mesmo instante em que é atingido por uma bala inimiga, e quase todos os que ouviram falar dessa guerra poderão evocar a imagem granulada em preto e branco de um homem de camisa branca, com as mangas arregaçadas, tombando para trás na beira de uma colina, o braço direito lançado para trás enquanto a mão solta o rifle; ele está prestes a cair, morte, sobre a própria sobra” (Sontag, 2003)
"O sociólogo francês Roland Barthes, afirma, em seu livro A Câmara Clara, que toda fotografia tem o que ele denomina punctum. O punctum é algo que punge o observador, que chama sua atenção, que o emociona, que o fere. Esse punctum é sempre algo subjetivo, individual e quase que único. Para mim, o punctum da fotografia "O momento da Morte" não está na imagem. O que me fere, me choca, me punge é o fato de que Robert Capa estava ali, naquele momento, tão próximo deste miliciano e de ter tido a capacidade, o sangue frio de fotografá-la.
Mas, o esforço não foi em vão. Com ela, Capa chocou (e ainda choca) o mundo com os horrores da Guerra Civil Espanhola, como Picasso fez ao pintar Guernica. Contudo, ao contrário do quadro, a foto mostra um horror que existiu em um determinado instante e cuja luz marcou para sempre o negativo que estava dentro da câmara 35 mm de Robert Capa, o que praticamente dá a ela uma aura de veracidade e força.
Ainda assim, muito se discute sobre a autenticidade dessa imagem, que já foi provada como verdadeira. Como Capa costumava dizer: se você não está suficientemente perto, suas fotos não serão suficientemente boas. Nesse momento e até no momento de sua morte, Robert Capa seguia a risca essa filosofia (o fotográfo morreu com a explosão de uma mina enquanto cobria a guerra da Indochina)
A imagem de Capa é bela e triste. A tristeza vem da obviedade de uma morte sem sentido, sem propósito, precoce e trágica. O soldado miliciano, trajado com roupas de civil - camisa branca de colarinho - larga sua arma no instante da morte com um tiro certeiro na testa. Uma imagem forte com quatro elementos visíveis: o homem, a arma, a sombra, e o vazio. E dois elementos invisíveis: o atirador e o fotógrafo.
Para mim, o que faz essa foto genial é o vazio e a sombra. Esta última parece estar em outra posição, que não a do homem. Parece correr da morte iminente, tentar fugir do enquadramento. E o vazio passa a idéia da solidão, da aridez de sentimentos que é a guerra. Um homem cai no vazio sem motivo nobre. O motivo nobre só vem com o conjunto, com a análise histórica da guerra. Um homem caído sozinho no campo não teve motivo para morrer. Mas essa imagem tornou-se um símbolo desse conflito. Historicamente, posso dizer que ela representa o fim da esperança dos legalistas/republicanos, embora ela tenha sido tirada em 1936, quando ainda havia esperanças.
“O ato de fotografar se realiza em uma fração mínima de tempo, e essa característica marca toda a complexidade e a singularidade da fotografia”, afirma Milton Guran, em seu livro “Linguagem fotográfica e informação”. Isso quer dizer que, de tão rápida, fugaz, a fotografia registra um momento único, não mais reproduzível e morto. E nessa fotografia de Robert Capa isso fica explícito.
A conclusão a que chego é a de que o fotojornalismo, assim como a arte, pode levar as pessoas a enxergarem melhor uma realidade distante, um sofrimento longínquo ou mesmo o terror de outra nação.
Ao simplesmente observar a fotografia de Robert Capa, pode-se perceber todo o horror de uma guerra injusta, injustificável e cruel. Os republicanos sofreram não só nas mãos de seus inimigos próximos, os nacionalistas, como sofreram nas mãos dos nazistas alemães e fascistas italianos. Além disso, sofreram o esquecimento da Inglaterra e a negação de França e União Soviética no momento em que mais precisavam de ajuda
Em prol de uma esperança de segurança e proteção do nazismo de Hitler, de sua sede imperialista, os países europeus deixaram a Espanha se destruir e ser dominada por uma ditadura fascista. Os esforços em “não intervir” acabaram por impulsionarem uma tendência que levou à Segunda Guerra Mundial.
A fotografia de Capa nos mostra tudo isso. O abandono de um soldado republicano, um civil que morre de um tiro na cabeça provindo de um soldado fascista. Ele cai em um campo da Espanha qualquer e leva junto consigo a Espanha em que acreditava, livre e democrática. Ou não. A cortina de ferro sobre ela poderia ter caído. Não pode-se analisar fatos que não foram.
Mas é fato que Frederico Borrel Garcia caiu naquele fatídico 5 de setembro de 1937 e deixou para trás esperanças mil. Robert Capa estava lá e registrou o momento para um sempre de reflexões, indagações e mistérios. O que fez Capa estar ali naquele momento exato? Sorte? Intuição? Ou sangue frio? Esses mistérios, o fotógrafo levou consigo quando, com a câmara no pescoço, sofreu ele as conseqüências de uma guerra cruel e triste."
Escrevi esse texto em novembro de 2007. Recentemente, foi devolvida ao Internacional Centre of Photography (criado em homenagem a Robert Capa) uma mala com 3500 negativos da Guerra Civil Espanhola, dada como perdida quando Capa foi forçado a deixar a Europa, no ínicio da Segunda Guerra Mundial. Há esperança de que nela sejam encontrados os negativos de "O momento da Morte". Talvez isso venha esclarecer um pouco melhor os mistérios que a circundam. Vamos esperar.